Disciplina - Sociologia

Sociologia

27/11/2018

Ensinando Sociologia a partir de HQ

Por Ivani Cardoso

Pesquisas demonstram que não há correlação entre o baixo rendimento dos alunos e leitura das HQs (isto é, as HQs não são deseducadoras como muitos pensam). Além disso, os dados revelam que há uma relação entre a não leitura das HQs e o baixo rendimento, isto é, as notas mais baixas estão entre os alunos que não leem quadrinhos. As afirmações são de Amaro Braga, quadrinhista e sociólogo, um dos autores da obra “Quadrinhos & Educação volume 3: Fanzines, espaços e usos pedagógico”. Estudioso do tema e leitor voraz de quadrinhos, ele diz que o gênero é muito utilizado na escola em vários países, não apenas como indicativo de leitura paradidática, mas como leitura principal. Amaro afirma que os professores no Brasil ainda têm muito preconceito na hora de adotar HQS na sala de aula, muitas vezes até por desconhecimento. Para os educadores que desejam entrar nesse mundo adorado pelos alunos, ele dá algumas dicas: “Pedir a ajuda dos alunos para selecionarem o material; ler bastante aquilo que circula no mercado e fazer anotações em busca de inter-relações com seus temas de aula. E, principalmente, estar disposto a promover estas interseções didáticas com o material escolar”. Amaro é licenciado e bacharel em Ciências Sociais, Especialista em História da Arte, Especialista em Artes Visuais, Especialista em EAD, Mestre e Doutor em Sociologia. Já publicou seis livros sobre quadrinhos e nove álbuns. Em 2007, ganhou o HQMIX de melhor contribuição para os quadrinhos pelo álbum “Passos Perdidos, História Desenhada” sobre a presença judaica em Pernambuco. É professor Adjunto no Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de Alagoas. Seu blog: www.axbraga.blogspot.com.br

Há estudos comprovando a eficácia das HQs na sala de aula?
Sim, há. O conselho nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE, publica todos os anos um relatório chamado “Retrato da Escola”, no qual constam diversos levantamentos sobre temas relevantes. Entre eles há avaliação do porcentual de proficiência (nível das notas) entre estudantes leitores de quadrinhos e não leitores. Os levantamentos têm demonstrado que não há correlação entre o baixo rendimento dos alunos e leitura das HQs (isto é, as HQs não são deseducadoras). Além disso, os dados mostram que há uma relação entre a não leitura das HQs e o baixo rendimento, isto é, as notas mais baixas estão entre os alunos que não leem quadrinhos. E ainda, que professores que leem quadrinhos conseguem maior rendimento de seus alunos em comparação com os professores que não leem. Há diversos outros estudos, mais qualitativos (em forma de dissertação de mestrado e teses de doutorado) que realizam estudos de recepção mostrando a eficácia dos quadrinhos na sala de aula.

Que tipo de HQs são os mais indicados para a aprendizagem?
Não existe um tipo definido. Todas as HQs podem e têm potencialidades para o uso pedagógico. Os quadrinhos e a linguagem dos quadrinhos são recursos didáticos que podem ser explorados por quaisquer disciplinas e conteúdos, basta o professor ter conhecimento do material e desenvolver uma ação que o envolva. Se tivéssemos que elencar um tipo, seria aquele que o aluno já anda lendo. Se ele já ler uma HQ específica, é meio caminho andado para que o processo de aprendizagem ocorra, pois, o professor apenas despertará a compreensão sobre os fenômenos de interesse da disciplina. O aluno, ao conhecer a história ou o material quadrinizado pode, inclusive, participar com mais proeminência de um debate ou discussão e realizar a correlação entre a leitura e o conteúdo focado na aula.

Que conteúdos mais favorecem o uso dos quadrinhos?
Não existe um mais favorecido. Todos têm a mesma potencialidade. Agora, ultimamente, tem sido mais frequente aqueles conteúdos desenvolvidos pelos professores de português (no campo da linguística), história e literatura (devido às adaptações literárias). Mas qualquer conteúdo pode ser efetivado. Já foram publicados no Brasil, mangás (quadrinhos japoneses) que ensinam estatística, cálculo, genética e processamento de dados (Só para citar os mais diferentes), tudo em quadrinhos.

Quando saiu seu livro? Como surgiu a ideia?
Em 2014 fizemos um levantamento sobre as pesquisas sobre quadrinhos e descobrimos que a grande maioria de estudos acadêmicos (monografias, dissertações e teses) estavam na área de educação. O Prof. Dr. Thiago Modenesi (FG/PE) já havia montado uma coletânea sobre “Quadrinhos e Educação” com cinco trabalhos de pesquisadores que atuaram na área (no qual eu participo e ele mesmo, tendo feito uma dissertação e uma tese em Educação focando as HQs) naquele mesmo ano e, após algumas conversas, resolvemos montar a coletânea “Quadrinhos e Educação”, para reunir os trabalhos destes pesquisadores. Em 2015, lançamos os volumes 1 e 2 com trabalhos de trinta e seis pesquisadores brasileiros e estrangeiros. E, agora, no primeiro semestre de 2016, lançamos o terceiro volume com mais dez artigos de pesquisadores de diversas regiões do Brasil. Já estamos trabalhando no volume 4.

Os professores têm dificuldades em assumir o uso de HQs na sala de aula?
Em princípio, sim. Pois ainda há muito preconceito por parte do tipo de leitura ser considerada infantil ou juvenil e de um entretenimento fugaz. Mesmo quando eles não têm esta perspectiva, encontram dificuldade em conhecer este universo gigantesco de publicações. O que os professores devem fazer é consultar aqueles que mais conhecem os quadrinhos, os grandes especialistas no assunto: os jovens leitores. São os próprios alunos que conhecem centenas de publicações. A seleção ou busca de material deve começar entre os alunos que podem vasculhar suas memórias e coleções no encontro de material de relevância para as aulas. Obviamente, os professores que são leitores de histórias em quadrinhos possuem uma facilidade muito maior em introduzir as temáticas e as dinâmicas envolvendo o material.

Quais são as idades que mais leem HQs?

Depende do local/região e dos gêneros de publicação. Os estudos de recepção mostram que é extremamente diversificado e muito restrito a determinados segmentos. Entre os quadrinhos infantis, como Turma da Mônica, estão as crianças até 12 anos; já entre os quadrinhos de super-heróis, jovens dentre 14 e 24 anos. Isto é, os segmentos etários variam conforme o gênero de publicação. Mesmo assim, há membros de quase todas as faixas etárias em cada segmento.

Os quadrinhos favorecem a leitura de outros segmentos editoriais?
Depende do tipo de quadrinhos e do público-alvo. Nos quadrinhos infantis, não. Já nos quadrinhos undergrounds, sim. Não há uma correlação significativa entre estes dados. Os quadrinhos não podem ser vistos como uma ponte para um tipo de acesso literário. Ele é um gênero independente. Seu consumo não facilita ou caminha para o consumo de outros materiais, necessariamente.

Como está o mercado de HQs no Brasil?
O mercado brasileiro anda em pleno processo de desenvolvimento. Não tem a mesma estrutura de mercados consolidados como o japonês, o europeu ou o norte-americano, mas caminha num processo, um pouco estável, mas crescente. Hoje, muito mais que nas últimas duas décadas, é mais fácil produzir e publicar no Brasil, muito devido às iniciativas coletivas (como o financiamento coletivo) e aos recursos cibernéticos (como o uso do facebook e de blogs para publicar webcomics e webtiras). Ainda é muito difícil viver profissionalmente deste segmento (são poucos os que conseguem), mas as vagas estão aumentando e a mentalidade comercial das empesas, se modificando, mesmo que devagar.

Quais os seus quadrinhos preferidos?
Devido à minha atuação como pesquisador de quadrinhos, termino lendo de tudo e não tendo um segmento preferencial. Mas tendo a consumir com mais intensidade e prazer os quadrinhos japoneses, os mangás.

Quando começou a gostar do tema?

Como boa parte dos jovens, comecei a ler quadrinhos na pré-adolescência. A prática me levou ao colecionismo e, por conseguinte, a um clube de colecionadores de quadrinhos em Recife, chamado Nanquim. Neste grupo, começamos a desenvolver praticas de discussão sobre este universo e de pesquisar publicações diferentes. O grupo cresceu e se institucionalizou, realizando diversas exposições sobre o tema, por volta do início da década de 1990. Isso me levou à pesquisa acadêmica, e a realizar um mestrado e um doutorado sobre quadrinhos na área de sociologia.

Esta notícia foi publicada em 25/05/2017 no site https://cafecomsociologia.com/ensinando-sociologia-partir-de-historias-em-quadrinhos-hq/.  Todas as informações são de responsabilidade do autor.
Recomendar esta notícia via e-mail:

Campos com (*) são obrigatórios.