Disciplina - Sociologia

Sociologia

06/01/2014

Antes da Copa, novos protestos

Por Helton Lenine/Diário da Manhã

O ano da Copa do Mundo no Brasil deverá ser de grandes manifestações. Quem avisa são entidades de diversas áreas de atuação que, fortalecidas pela onda de protestos que conseguiu reduzir a tarifa do transporte público em várias cidades do País em 2013, prometem protestos em, ao menos, 12 capitais em 2014.

A programação de protestos será definida mais adiante, mas a articulação entre as entidades já começou. Até mesmo o mascote oficial da Copa já está em redes sociais vestido como manifestante.

Assim como nas manifestações de junho passado, a internet tem sido o principal canal para a articulação entre os movimentos. Na internet, sites e perfis em redes sociais mostram que a mobilização está a pleno vapor nas periferias.

O Movimento Passe Livre, que levou às ruas milhares de pessoas em 2013 para lutar contra o reajuste da tarifa de ônibus, trem e metrô, está nesse grupo de entidades chamado Comitê Popular da Copa. Ele está constituído nas 12 cidades-sede do campeonato e, além do MPL, tem movimentos por moradia e transporte e ONGs ligadas ao esporte e à cultura. Há alguns meses eles têm se reunido a cada 15 dias numa espécie de aquecimento para o próximo ano.

“A gente acredita que a Copa vai ser de grandes mobilizações. Esse movimento já começou neste ano e mostra que tem uma indignação geral”, diz um dos integrantes do MPL Marcelo Hotimsky.

Integrante do Comitê Popular da Copa em São Paulo, a engenheira ambiental Talita Gonsales não antecipa a estratégia das mobilizações. “O que podemos dizer por enquanto é que há uma tendência (de promover manifestações) diante de tamanha indignação das pessoas. Não tem como não ter um tom crítico diante do que está acontecendo”, afirma Talita. “Essas pessoas sempre ouviram que não tinha dinheiro para moradia, transporte e saúde. Agora, estão vendo milhões indo para estádios e obras de transporte para turistas e estrangeiros. Ficou claro que isso é uma escolha política e não técnica. O MPL, junto com todos esses movimentos, quer trazer esse debate à tona”, completa Hotimsky.

A temática da Copa sempre esteve, desde o início, nas manifestações de 2013, mas ocupou um papel secundário. Para o professor titular de Teoria Política da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e autor do livro As ruas e a democracia, Marco Aurélio Nogueira, em 2014, o tema deverá assumir a linha de frente. “A Copa pode no próximo ano o que foi o reajuste da tarifa neste ano. É combustível puro. São investimentos muito caros sendo feitos para a Copa ao mesmo tempo em que o país continua tendo problemas graves estruturais”, avalia o professor.

Para Marco Aurélio, o maior legado dos protestos ocorridos em 2013 foi a demonstração de que a sociedade está viva e tem voz. “Por outro lado, de forma geral, os governos não conseguiram responder a essas manifestações de forma satisfatória”, completa. (Com informações da Agência Globo).

Congresso fica devendo a 'pauta das ruas'

Após a sacudida que o Congresso Nacional levou dos manifestantes que saíram às ruas em 2013, pedindo o fim da corrupção e a melhoria da qualidade de vida, parlamentares aceleraram o ritmo de votações e tiraram das gavetas projetos para compor uma "agenda positiva", em resposta às reivindicações populares.

Da chamada pauta das ruas, com aprovação final, concluída pelas duas Casas (Senado e Câmara), pouca coisa vingou, como o fim do voto secreto nos processos de cassações de mandatos.

A proposta que transforma corrupção em crime hediondo, por exemplo, foi aprovado em junho no Senado, mas na Câmara está adormecida.

A ambiciosa proposta do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), de aprovar a lei do passe livre para estudantes de todo o país, foi mais uma a cair no esquecimento.

Arlindo Chinaglia (PT-SP), líder do governo na Câmara, afirmou que a Câmara não atendeu os anseios das ruas. "Na minha opinião, na opinião do povo, nós não cumprimos. Não faço o julgamento de quem quer que seja, mas no julgamento popular, estamos em baixa e me inclua aí. Os motivos? Você pode abrir uma avenida. Não estou dizendo que a Câmara trabalhou mal. Mas foi insuficiente porque o mundo político está sob questão", ressalta Chinaglia.

No apagar das luzes do Congresso, o senador Roberto Requião (PMDB-PR) fez um balanço semelhante. Disse que, apesar de medidas administrativas de mais austeridade - o Senado anunciou economia de R$ 275 milhões no orçamento da Casa este ano - e da dedicação dos colegas na votação de projetos, não vê motivos para comemorações. "Não vejo razões para festejos, encômios (louvor) e parabéns."

Já do ponto de vista dos dirigentes da Câmara e do Senado, após trocas de farpas ao longo do último semestre, culpando um ao outro pela demora nas votações, o Congresso foi bem no resultado final. O presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), disse que aprovou as principais bandeiras que queria, como o orçamento impositivo e o voto aberto.

Nos bastidores, Henrique Alves não escondia o alívio pelo fim de um ano turbulento, em que os deputados preservaram, no voto secreto, o mandato do deputado-presidiário Natan Donadon (sem partido-RO). E em que mensaleiros condenados continuaram exercendo seus mandatos, até a prisão. O caso Donadon é uma das pendências a serem enfrentadas em 2014: seu segundo processo de cassação não foi concluído antes do recesso, como queria Alves.

O senador Renan Calheiros fez seu balanço das atividades do Congresso Nacional, apresentando como grande feito economia de R$ 275 milhões que fez na Casa, informando que esses recursos serão devolvidos para o Tesouro.

Entre outras matérias já promulgadas e sancionadas (já em vigor), que andaram no Congresso graças à pressão popular, estão: o projeto que responsabiliza a pessoa jurídica que auferir vantagem com corrupção; a desoneração da cesta básica e redução da tarifa de energia elétrica; a destinação dos royalties do petróleo para Saúde e Educação; a desoneração de serviços de transporte coletivo municipal de passageiros; a minirreforma eleitoral, que seria uma tentativa de reduzir custos de campanha; e o que exige Ficha Limpa para ocupação de cargos de confiança ou funções comissionadas no Senado.

Já no rol de matérias aprovadas no Senado, ainda sob apreciação da Câmara, estão a que torna corrupção crime hediondo; Ficha Limpa para servidor público dos três poderes; proibição de cônjuge ou parente como suplente de senador e redução de dois para um do número de suplentes; eliminação da aposentadoria como pena disciplinar para juízes e promotores condenados; e perda automática do mandato de parlamentar nas hipóteses de improbidade administrativa ou de condenação por crime contra a administração pública.

Internet é vista como canal de aproximação com o cidadão

Com mais acesso à informação e uma percepção maior de seu poder de pressão, o brasileiro quer interferir nas escolhas e decisões do poder público que afetam sua vida. As manifestações de rua em junho trouxeram à tona, entre outras coisas, o sentimento de que os eleitos pelo povo não representam os seus interesses.

Especialistas apontam que, além das ruas, as ferramentas da internet têm potencial para reduzir esse abismo entra o Congresso e os anseios da população.

A professora de sociologia da Unesp (SP) Heloisa Pait afirma que o "gap" entre poder e a população sempre houve, e que é histórica a sensação que o brasileiro tem de que o Estado não trabalha a seu favor. Para ela, a forma como está distribuído o poder no Congresso - com o poder de decisão concentrado em um pequeno grupo de líderes - prejudica a representação e dificulta o acesso do cidadão. "Tem que se construir plataformas comunicativas que criem a ponte entre eleitores e deputados. A internet está aí, por que não construir isso? É usar a internet para criar um espécie de voto distrital virtual", diz Heloisa.

Diretor de campanhas da Avaaz, Michel Mohallen argumenta que o Congresso trabalha na direção errada, e isso pode ser modificado com a pressão da sociedade, via internet. A Avaaz é responsável por campanhas virtuais, como a que acabou aprovando o voto aberto no Parlamento. Também atuou pela aprovação da Lei da Ficha Limpa. "A tecnologia é uma forma de trazer essa sincronia entre representante e representado. O nosso Parlamento é plural e é sensível à opinião pública. Grupos com lobby conseguem ser ouvidos, o Congresso não é surdo para a sociedade, mas tem que desenvolver canais melhores de comunicação", afirma Mohallen.

Luiz Henrique Vogel, consultor legislativo na área de ciência política e sociologia política da Câmara, sustenta que há dificuldade da população de entender o papel do Congresso, e admite que a elaboração legislativa é algo "muito abstrato, desconectado do cotidiano do cidadão". E acrescenta: "Nunca, em nenhum momento da História, o Congresso esteve bem na fita. Nem em outros países. Há incompreensão, há generalização. O Congresso, como instituição, tem papel a cumprir que não é de fácil percepção, em razão das nossas carências materiais", conclui Vogel.

Esta noticia foi publicada no site http://www.dm.com.br em 01 de Janeiro de 2014. Todas as informações nela contidas são de responsabilidade do autor.
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