Disciplina - Sociologia

Sociologia

22/08/2013

Antropólogos botam o pé na rua para estudar a diversidade e compreender as culturas

Por Gabriel Rosa / Diário Catarinense

Para compreender os diversos aspectos de uma cultura, o antropólogo precisa criar uma espécie de "sociologia do cotidiano", relacionando com destreza o conhecimento acadêmico com o que ele enxerga na rua. O coordenador do curso de graduação em Antropologia da UFSC, Rafael Victorino Devos, abriu as portas do Museu da universidade para conversar sobre sua profissão com a vestibulanda e aspirante a antropóloga Manoela Salvador Frederico.

Confira abaixo como foi a conversa:

Manoela Salvador Frederico - Qual a relação dos alunos de Antropologia com a estrutura da UFSC?

Rafael Victorino Devos - Como o curso foi criado em 2010 e ainda estamos formando a primeira turma, não chegamos à melhor forma de fazer esta aproximação dos alunos de graduação com os espaços da universidade, como o próprio museu. Na UFSC, temos a vantagem de ser um dos cursos de pós em Antropologia mais conceituados do país, que já existe desde 1985. Isso ajuda na hora de buscar mais professores qualificados, por exemplo. Tentamos trazer a graduação para estes lugares, e os alunos têm mostrado bastante interesse em se envolver com os projetos de pesquisa e extensão que já realizávamos com o mestrado e o doutorado.

Manoela - Qual é o perfil de um estudante de Antropologia?

Rafael - Esta já uma pergunta antropológica, pois é exatamente isso que o antropólogo faz: seleciona pontos em comum entre indivíduos bem diferentes e traça um perfil deles para explicar a forma que compreendem o mundo. Vários de nossos alunos já têm uma formação anterior e relacionam aquilo que trazem de fora com seus objetos de estudo, que podem ser os mais diversos.
Nós também passamos esse ar meio "Indiana Jones", aventureiro, mas o mais importante é o compromisso que o antropólogo assume com a população ao se relacionar com a cultura que estuda. É difícil bater de frente com uma grande empresa de mineração, por exemplo, que deseja tirar uma população de algum lugar de interesse.

Manoela - Você enxerga preconceito com a área? As pessoas reconhecem seu trabalho?

Rafael - Embora isso já tenha sido mais forte, muitas pessoas ainda não entendem direito o que faz a Antropologia, o que causa uma certa confusão com áreas como a Sociologia e a Museologia. Meus pais, por exemplo, só foram saber exatamente o que eu fazia quando assistiram à minha defesa de doutorado.

Manoela - Como é o histórico da Antropologia no Brasil?

Rafael - A Antropologia nasceu na França, Inglaterra e nos EUA, mas passou por uma transformação interessante durante o século 20. Hoje, alguns dos principais nomes da área vêm de ex-colônias europeias, principalmente Brasil, México e Índia. Estes são países que estão obtendo mais visibilidade no mundo e tentando cada vez mais entender a sua própria diversidade cultural. Só o quadro de professores da UFSC, que inclui vários estrangeiros, já mostra como esse contato entre culturas vem acontecendo _ até porque é justamente este o objeto de estudo da Antropologia, a forma como as culturas se cruzam e se enxergam.


Por dentro da carreira


Disciplinas e tempo de duração: O curso é vespertino e dura quatro anos, sendo metade reservado para disciplinas obrigatórias e metade para optativas dentro ou fora do departamento. As obrigatórias tratam de conceitos básicos como bibliografias clássicas, história da Antropologia e métodos de pesquisa. Já as optativas são geralmente relacionadas às áreas de pesquisa dos professores e devem ser escolhidas pelos graduandos, como a Etnologia Indígena, Antropologia da Alimentação, da Educação, da Religião, da Política, Violência e Conflitos, Indivíduo e Sociedade, Antropologia da Mídia, Cultura Brasileira e Antropologia e Feminismo. O trabalho de conclusão de curso deve ser feito entre a 7ª e a 8ª fase.

Áreas de interesse: A formação do antropólogo dialoga com várias áreas das Ciências Sociais, como a História e a Sociologia, mas pode se relacionar até mesmo com a Arquitetura, a Comunicação e a Saúde. O curso da UFSC pressupõe que os graduandos façam diversas disciplinas optativas, que são geralmente concentradas nos possíveis interesses dos alunos.

Campos de atuação: A profissão não é regulamentada, o que significa que ainda não existe uma lei específica determinando quais funções um antropólogo pode exercer. Para garantir a atuação correta dos profissionais, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) disponibiliza um código de ética, criado em 1986 e adaptado de tempos em tempos, falando tanto das funções do antropólogo quanto dos direitos das populações que eles estudam.
Segundo o professor Rafael Devos, o trabalho do profissional se concentra atualmente nas ONGs, órgãos públicos, museus e empresas. No setor público, os principais exemplos são a Funai (Fundação Nacional do Índio) e do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Na iniciativa privada, o foco gira em torno da produção de laudos para grandes projetos de engenharia, por exemplo, que envolvam desapropriação de terras ou que interfiram em culturas locais: "Muda o curso de um rio, muda também toda a cultura dos moradores da região. Antigamente isso era feito à força, mas hoje existe uma série de bandeiras levantadas pelos antropólogos para evitar que isso aconteça", explica Devos.

Mercado de trabalho: Como a Antropologia é uma área tradicionalmente ligada à pós-graduação e ao ensino, espera-se que a criação de um curso de graduação na UFSC ajude no desenvolvimento de novos mercados fora do âmbito universitário. O professor Devos considera a Antropologia uma das áreas mais expoentes no Brasil, e explica que cada vez mais as empresas são obrigadas a consultar a opinião de profissionais antes de realizar obras que causem transformações em populações locais.

Salário inicial: Justamente por não ser uma carreira regulamentada, também não existe um piso salarial para a Antropologia. A profissão pode ser extremamente rentável, como no caso de pessoas que se tornam peritos e produzem laudos para grandes empresas. A tabela atualizada em março de 2013 pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA) em convênio com a Procuradoria-Geral da República estima valores entre R$ 15 mil e R$ 48 mil por perícia, dependendo do tempo de execução e da formação do profissional. Já no setor público, há bastante variação: um concurso de 2009 para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), por exemplo, oferecia vagas para antropólogos com salários iniciais de R$ 3.300. A remuneração oferecida pelo Ministério Público Federal a um antropólogo perito num concurso de 2010 girava em torno de R$ 6.550, e um professor universitário com doutorado e dedicação exclusiva pode começar ganhando mais de R$ 8 mil.

Não confunda com...

Ciências Sociais
O cientista social é o responsável por estudar as estruturas que caracterizam as organizações sociais humanas, buscando compreender os sistemas que formam a política, a arte, a religião e a identidade de uma população. Os campos de atuação das Ciências Sociais são inúmeros, indo da Sociologia à Psicologia e ao Direito. A Antropologia surge no começo do século 20 como um destes campos, mas concentrada no estudo de populações de países colonizados como os índios da América do Sul, os aborígenes e as tribos africanas.

Arqueologia e Museologia
Junto à Antropologia Cultural, à Antropologia Física e à Linguística, a Arqueologia é um dos quatro pilares que formam a área. Se a Antropologia usa o trabalho de campo para enxergar o sistema cultural de uma população, a Arqueologia faz o mesmo ao decifrar vestígios deixados por sociedades extintas (ossos e arcadas dentárias, restos de comida, objetos) para inferir seus modos de vida. Já o museólogo trabalha lado a lado com o antropólogo e o arqueólogo para selecionar e organizar todo o material que forma um museu, estudando desde as técnicas de restauração, conservação e acondicionamento até as formas de transmitir o conhecimento ao público geral.

Esta reportagem foi publicada no dia 20 de agosto de 2013 no site http://diariocatarinense.clicrbs.com.br. Todas as informações são de responsabilidade do autor.
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