Disciplina - Sociologia

Sociologia

17/05/2013

Em situação de carência generalizada

Por Paulo Hebmüller
Um adolescente infrator é fruto de um conjunto de situações: da família, da sociedade e de uma política – ou da falta dela – do Estado. “Quando a mídia fica em cima de casos que envolvem um adolescente, ninguém está pensando na escola em que ele estudou, no bairro em que ele cresceu e se ele teve ou não a política necessária para o seu atendimento”, diz a psicóloga Fabiana de Gouveia Pereira, do Serviço de Proteção Especial a Crianças e Adolescentes da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo. A psicóloga é contrária à redução da maioridade penal por acreditar que enviar um jovem de 16 anos para um presídio, em vez da Fundação Casa, seria propiciar as condições para que ele tivesse contato direto com uma escola de criminalidade. “Podemos discutir algum outro sistema de responsabilização do adolescente, mas a prevenção e o atendimento primário da população deveriam ser as prioridades”, afirma.

Fabiana participou de um debate sobre o histórico e a organização da rede de atendimento às crianças e adolescentes em situação de violência em São Paulo, promovido no Instituto de Psicologia (IP) da USP no dia 29 de abril por um núcleo em formação na unidade (leia o texto ao lado). Ao seu lado, Marcelo Moreira Neumann, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e ativista com muitos anos de experiência no trabalho com crianças e adolescentes, concordou com a avaliação da colega. “A proposta encaminhada ao Congresso pelo governador Geraldo Alckmin me parece absurda”, diz.
Neumann apontou alguns marcos na história do atendimento aos jovens a partir da década de 1980, quando a preocupação com a situação das crianças de rua levou à criação do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR). Em 1990, o governo brasileiro promulgou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que regulamentou o artigo 227 da Constituição de 1988. “O ECA é a resposta do Brasil aos organismos internacionais e também se integra ao momento de redemocratização do País, porque os antigos Código Penal e de Menores eram muito atrasados”, diz.

Na esteira do estatuto, foram criados organismos e instituições, como os Conselhos Tutelares, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e seus congêneres estaduais e municipais. Para o professor, um dos principais ganhos desses órgãos é romper a ideia de que as políticas públicas devam ser feitas apenas em Brasília, levando a responsabilidade para os níveis locais.

Segregação
– A psicóloga Fabiana Pereira detalhou os serviços oferecidos pela rede em São Paulo. Ela ressaltou que o universo da exploração sexual é muito mais amplo do que as modalidades de prostituição que podem ser vistas na rua. Os casos vêm aumentando muito, explica, por conta da carência generalizada em que vivem muitas crianças e adolescentes: essa situação as empurra para o uso de drogas e, para obtê-las, os jovens caem facilmente na exploração.

Ações integradas de vários órgãos têm levado a praticamente zerar o número de casos em regiões onde eles eram numerosos, como a Ceagesp, na zona oeste paulistana. Entretanto, aponta Fabiana, o consumo de drogas no entorno tem crescido, por conta da migração dos usuários “expulsos” da Cracolândia, no Centro. Atividades como o “Bloco na rua”, em que baterias mirins de escolas de samba marcham nos dias de carnaval, procuram chamar a atenção da sociedade para a violência da exploração sexual. No último Grande Prêmio Brasil de Fórmula 1 houve iniciativa semelhante, e a intenção é organizar ações do gênero na Copa do Mundo do ano que vem.

Um dos desafios que a Prefeitura enfrenta é no serviço de acolhimento dos casos de alta complexidade, em que os jovens são abrigados em unidades para no máximo 20 pessoas. Esses abrigos recebem desde usuários de drogas até crianças e adolescentes portadores de deficiências e também aqueles que estão em conflito com a lei e deixam a Fundação Casa. As dificuldades para oferecer pessoal e infraestrutura suficientes para lidar com esses diferentes perfis levam a que algumas vozes defendam a separação dos jovens em conflito com a lei em unidades exclusivas. “É mais fácil segregar. Mas vamos voltar a fazer como o Juqueri?”, pergunta a psicóloga, referindo-se ao antigo hospital psiquiátrico de Franco da Rocha.
Para Fabiana, as políticas públicas avançam num ritmo muito mais lento do que as demandas, e o número de casos que chegam à rede é prova disso. Os indicadores não mostram necessariamente que a violência contra os jovens esteja aumentando, mas sim que mais denúncias estão sendo feitas por diferentes canais: Conselhos Tutelares, postos de saúde, serviços telefônicos especiais etc.

Apesar dos avanços, a rede de assistência, avalia Marcelo Neumann, ainda está cheia de “furos”. É preciso que as instâncias conversem mais para que não haja sobreposição no atendimento de alguns casos, enquanto outros ficam desassistidos. Para o psicólogo e professor do Mackenzie, o melhor caminho é trabalhar em microssedes, nas quais o contato com as comunidades atendidas é mais direto.

Esta reportagem foi publicada no dia 07 de maio de 2013 no site http://espaber.uspnet.usp.br/. Todas as informações são de responsabilidade do autor.
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