Disciplina - Sociologia

Sociologia

02/10/2007

Uma agenda para a cidadania universal

Marcelo Barros *
Neste mundo cada vez mais marcado pela injustiça estrutural de governos imperiais apoiados, é compreensível que muitos latino-americanos procurem raízes italianas ou alemãs e tentem obter passaporte europeu para ser cidadãos de primeira classe em uma sociedade na qual as pessoas valem de acordo com o país em que nascem ou ao qual pertencem. Entretanto, nenhum documento, por si só, garantirá uma cidadania coletiva que pode transformar este mundo em uma terra de vida para todos os seres vivos. Isso só pode ocorrer através de um processo de conscientização social e de uma mundialidade da qual todos somos chamados a participar ativamente.Para contribuir com este mutirão de cidadania universal, desde alguns anos, uma iniciativa brilhante e oportuna tem sido a publicação da "Agenda Latino-americana". Mais do que um calendário do ano, como tantos que se publicam, a Agenda Latino-americana contém sim um cronograma de cada dia, mas mais do que isso. Marca cada data com a memória dos acontecimentos que tornam aquele dia diferente na história da libertação dos povos e assinala a lembrança das pessoas que foram martirizadas e deram a vida pelas grandes causas da humanidade. Além deste calendário, minuciosamente organizado, a Agenda toma um tema de interesse atual para a cidadania e convida intelectuais e militantes sociais dos cinco continentes para escrever um estudo sobre algum ângulo ou aspecto deste tema geral. Estes textos que chegam a compor, a cada ano, 35 estudos, compõem um conjunto de análises raro de se encontrar em um só volume, acessível a todos. Quem abre a agenda encontra logo no início uma carta-prefácio escrita por Dom Pedro Casaldáliga, bispo emérito de São Félix do Araguaia que, por sua consagração à causa dos povos do continente, se tornou padrinho e mestre de cidadania universal para todos. Com sua costumeira lucidez e seu talento de escritor e poeta, Dom Pedro nos introduz na realidade que, neste momento, nos desafia de forma especial e justificou a escolha do tema geral da Agenda deste ano. A partir daí, os textos e artigos são dispostos de acordo com o método consagrado do Ver, Julgar e Agir. A Agenda latino-americana é assim uma obra coletiva que reúne alguns dos melhores intelectuais e militantes do mundo, coordenados por José Maria Vigil, redator e organizador principal da Agenda, grande pensador latino-americano e coordenador da comissão teológica internacional da Associação Ecumênica dos Teólogos do Terceiro Mundo (ASETT). Também em cada edição, a Agenda, em convênio com entidades afins, propõe concursos de textos e temas a serem aprofundados. Para os vencedores, há prêmios e possibilidade de divulgação do seu trabalho. Nos primeiros tempos, a Agenda Latino-americana era publicada em português e espanhol e, nesta área, se tornou um verdadeiro bestseller. De tal forma, para muita gente de todos os continentes, passou a ser referência importante que, desde alguns anos, a Agenda é mundial sem perder sua orientação de partir da realidade latino-americana. Para o ano de 2008, é sem dúvida significativo que o tema seja "A política morreu. Viva a Política!". Este tema é prioritário em 2008, não só por se tratar de um ano de eleições em diversos países do continente, como porque, no mundo inteiro, cresce a consciência de que o modelo oficial de política, hoje vigente, está exaurido e precisa de uma transformação radical. Na Bolívia e no Equador, espera-se muito da assembléia constituinte que re-elabora para o país leis mais justas e atuais. Na Itália, o cômico Beppe Grillo reúne multidões em seus Vanfanulo Days e propõe mandar os políticos profissionais de todos os partidos para aquele lugar. O altermundialismo dos fóruns sociais propõe uma política mais popular com a participação realmente democrática das organizações de base e movimentos civis da sociedade. Trata-se verdadeiramente de uma ressurreição da Política. Uma dimensão desta transformação social e política proposta pela Agenda Latino-americana de 2008 é uma nova política ecológica. Em 2000, a UNESCO assumiu a "Carta da Terra", um dos documentos mais importantes do ponto de vista ético e espiritual já proposto à humanidade. Elaborado por uma grande comissão de representantes de várias nações e fruto de uma consulta mundial que durou oito anos (de 1992 a 2000), propõe uma aliança global para cuidar da Terra e cuidar uns dos outros em defesa da vida e da paz. Esta carta foi proposta à assembléia geral da ONU como uma nova declaração dos direitos não apenas do ser humano mas de todo ser vivo. Levada a sério, ela não abole as nacionalidades, mas as torna relativas, ao dar a todos os seres humanos uma espécie de passaporte através do qual nos tornamos cidadãos de todo o universo. De fato, cresce a consciência que temos uma única casa comum: o planeta Terra. Mais do que isso, como espécie formamos uma humanidade única e somos parte da Terra. "Somos a própria Terra que, em um momento de sua evolução", começou a sentir, a pensar e a amar" (Leonardo Boff). A maior ameaça atual à civilização e à humanidade não é o terrorismo. É o capitalismo que instrumenta as relações humanas e ameaça a vida sobre a Terra. Para garantir o futuro da vida na Terra, precisamos de uma coalizão mundial baseada na Ética e no fundo de bondade e amorosidade que existe em todo ser humano. Não é possível qualquer avanço ecológico e de cuidado com a Terra se não se cuida da Ecologia social. Sem justiça internacional, É não somente possível como urgente refundar a relação humana sobre a base da antropologia da convivialidade, da generosidade gratuita e da veneração à Vida como energia universal de amor da qual todos dependemos e para a qual todos vivemos. A convivialidade amorosa pode ser uma nova forma de fazer Política. A Agenda latino-americana mundial de 2008, lançada nacionalmente neste 04 de outubro, é uma sinalização neste caminho de justiça e paz. * Monge beneditino, teólogo e escritor. Tem 30 livros publicados.
Fonte: Adital, 02 de outubro de 2007
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